SERÁ MINHA A CORAGEM, SEREI EU
Minha força está sangrando e é um contra-senso, pois sinto que estou grávida de futuro.
Agora sigo. Não me basta ter pensado, ter sentido.
As perguntas surgem sem respostas (nunca sei as respostas), não conheço a verdade e admito – a verdade é às vezes, irreconhecível.
Se não tenho medo de novas tempestades nem de ventanias, serei obrigada a viver esta nova realidade que me ultrapassa.
Será minha a coragem de abandonar sentimentos antigos, já confortáveis e mergulhar em minha nova história.
Esquecer por completo a comodidade de permanecer neste mundo impessoal, em que me refugiei, sem alcançar nem o pior nem o melhor, recebendo e dando a mim mesma meu triste e parco afeto.
Não quero mais me adornar de mim e passar o longo tempo do dia representando o papel de ser, sem absolutamente nada ser, apenas refletir pouca sombra. Sombra de alma que não se encaixa bem no corpo, alma pouca e atordoada.
Não serei mais privada de mim, serei eu mesma, não a ilusão de outro “ser”, por mais que isto me pareça distante, ou difícil, ou dolorido... Mas se eu continuar, e souber esperar, a dor acaba por passar. Sempre passa.
Eu, que já morri tantas vezes, renasci sem sentir o gosto do novo, quero morrer outras tantas vezes, para ressurgir, experimentar de novo, outra vez. Ou nunca mais morrer, ou nunca mais viver, várias vidas em uma.
Nunca mais acordar sem saber quem sou, e depois me lembrar vagamente, que sou uma mulher e devo agir como mulher, seguir o destino que me ensinaram. E se alguém me perguntar como foi direi – não sei, eu já havia partido - nunca mais.
Experimentar quase tudo, a paixão e o seu desespero, a felicidade e a desventura, a dor inconfundível do amor (sem nunca mais rebaixa-lo à condição de utilidade), a ilusão do querer ser, a simplicidade de um sorriso, o grito, a loucura sem remissão, o engano. Embriagar-me com o ar da manhã, caminhar sem ter para onde, e chegar onde desejei chegar. Seguir ao acaso e ser um acaso (todos de alguma forma o somos). Mergulhar em minhas alegrias, e na falha delas encontrar minhas tristezas, e mergulhar de novo. E sonhar. Dar-me o direito de sonhar sempre, todos os sonhos que me neguei. Perder o medo da ternura e deixar minha mão apenas pousar sobre outra mão, e me entregar ao carinho, ao toque, à suavidade de um encontro que pode incessantemente viver até o mundo acabar. E toda noite lembrar-me de como foi o dia, sem permitir a invasão da mesmice. E que cada hora seja uma hora devida no cálculo da memória. E mais ainda, encontrar-me comigo mesma, e sofrer um pouco, o que também pode ser um prazer maligno. Nunca esquecer meus medos e meus tédios. Beber meu mel, meu fel, meu sal, meu sol e provar todos os gostos da minha pele.
Nada de fórmulas, nem formas para viver, mas sempre me recordar de que o destino de uma mulher é ser mulher, nem que seja no instante quase dolorido, e alucinado, e embriagador, do amor.
Minha força está sangrando e é um contra-senso, pois sinto que estou grávida de futuro.
Parto para o dia e para a vida. Minha história ainda vai ser escrita.